domingo, 7 de março de 2010

O segredo dos seus olhos

O insustentável peso do ser
 
El secreto de sus ojos
, sexto filme do argentino Juan José Campanella, acaba de estrear em telas brasileiras (paulistas). Um thriller original que serve de âncora para o dilema do “eterno retorno” nietzscheano vivido pelo personagem principal (Benjamín/Ricardo Darín).

Benjamín é um oficial de justiça aposentado que decide escrever um romance policial baseado num processo criminal mal resolvido (“la causa Morales”), ocorrido 25 anos antes, que passou por suas mãos e da magistrada assistente do tribunal (Irene/Soledad Villamil). O crime: homicídio qualificado, estupro seguido de morte. A vítima: uma jovem professora recém-casada. A pena: prisão perpétua. O ano: 1974, prelúdio de uma ditadura sangrenta que se instalaria no país dois anos depois.

O suspense, que permeia a trama do começo ao fim, é também pano de fundo para uma história de amor, latente e silenciosa, que paira no ar o tempo todo, protagonizada por Benjamín e Irene. Com atuação impecável, Ricardo Darín encarna um personagem complexo, demasiadamente humano, apaixonante.

Soledad Villamil
Por sua parte, Soledad Villamil – que também é intérprete de tango – embora minimalista, tem uma atuação contundente: expressa mais com os olhos do que com a fala as emoções de Irene, suas angústias, tanto pela relação conturbada que mantém com Benjamín no tribunal, como pela sensação de impotência diante do homem que realmente ama (embora já casada e mãe de dois filhos). Irene também se defronta com o dilema do eterno retorno, que só será resolvido no momento final do filme, pela iniciativa de Benjamín que, até então, se mostrara vacilante, sem atitude diante dela.

O filme é dirigido com primor; movimentos de câmera, enquadramentos e planos-sequência muito bem feitos, além de contar com um elenco de primeira linha. A história é narrada com dramaticidade e suspense, mas com pitadas de humor sutil e inteligente.

O ator coadjuvante Guillermo Francella – que interpreta Pablo Sandoval, um alcoólatra, subordinado de Benjamín no tribunal – rouba literalmente a cena em vários momentos. Com atuação magistral, ele constrói de forma bem humorada e uma intuição aguçada um personagem-chave da trama. É na mesa de bar que ele vai desvendar, diante do olhar atônito de Benjamín, o mistério que levaria à captura do assassino de Laura Morales: a paixão do criminoso pelo futebol. "Algo do qual não podemos nos livrar", diz Pablo, entre um gole e outro, sobre a paixão humana, qualquer que seja ela.

Guillermo Francella (primeiro plano) e Ricardo Darín
De certo modo, a elucubração etílica de Pablo sobre a paixão vai servir de alegoria para Benjamín dar sentido à sua própria vida; ele decide dar forma ao amor que sente por Irene, um sentimento jamais revelado durante longos 25 anos.

Outra passagem importante que leva o protagonista a “recuperar” sua vida, a partir do romance que começa a escrever com ajuda da memória de Irene, é o seu testemunho da abnegação do viúvo da moça assassinada (Ricardo Morales /Pablo Rago). Na tentativa de encontrar o algoz de sua esposa, já identificado pela polícia, Ricardo se entrega a uma rotina diária na estação ferroviária central de Buenos Aires, anos a fio, até ser informado por Benjamín da captura do assassino. Mas o criminoso acaba livre da prisão perpétua, por ingerência do poder político. E é por intermédio do viúvo de Laura Morales que, décadas mais tarde, Benjamín descobre o destino do assassino para, então, poder concluir o seu romance.

O filme tem uma narrativa não linear, dinâmica, e um ritmo envolvente. Na medida em que o enredo avança – em mais de duas horas de projeção – o expectador torna-se cúmplice de seus protagonistas, ansioso pelo desfecho final do
thriller e da história de amor que ele encerra. Não por acaso foi o filme mais visto na Argentina em 2009. Uma obra-prima!

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