sábado, 30 de outubro de 2010

Leonardo Boff: manter o espírito crítico face à inoportuna intervenção do Papa na política brasileira

'Povo mais consciente tem dificuldade em aceitar autoridade moral de um Papa que durante anos ocultou crime de pedofilia entre padres e bispos', diz teólogo

http://contralobos.over-blog.es/article-papa-condena-aborto

Em artigo publicado ontem no site http://www.cartamaior.com.br/, o teólogo e escritor Leonardo Boff critica a ingerência do Papa na política interna brasileira, em relação ao aborto.

Boff lembra que em países europeus de forte tradição católica todos os apelos papais pelo voto plebiscitário contrário ao aborto foram em vão. E ressalta que a opinião consciente não se pauta apenas pelo "aspecto moral, mas deve-se atender também a seu aspecto de saúde pública".

Leia o artigo abaixo: 

O Papa e o aborto 

Por Leonardo Boff 

É importante que na intervenção do Papa na política interna do Brasil acerca do tema do aborto, tenhamos presente este fato para não sermos vítimas de hipocrisia: nos catolicíssimos países como Portugal, Espanha, Bélgica, e na Itália dos Papas já se fez a descriminalização do aborto (Cada um pode entrar no Google e constatar isso). Todos os apelos dos Papas em contra não modificou a opinião da população quando se fez um plebiscito. Ela viu bem: não se trata apenas do aspecto moral, a ser sempre considerado (somos contra o aborto), mas deve-se atender também a seu aspecto de saúde pública.


No Brasil a cada dois dias morre uma mulher por abortos mal feitos, como foi publicado recentemente em O Globo na primeira página. Diante de tal fato devemos chamar a polícia ou chamar médico? O espírito humanitário e a compaixão nos obriga a chamar o médico até para não sermos acusados de crime de omissão de socorro.

Curiosamente, a descriminalização do aborto nestes países fez com que o número de abortos diminuísse consideravelmente. O organismo da ONU que cuida das populações demonstrou há anos que, quando as mulheres são educadas e conscientizadas, elas regulam a maternidade e o número de abortos cai enormente. Portanto, o dever do Estado e da sociedade é educar e conscientizar e não simplesmente condenar as mulheres que, sob pressões de toda ordem, praticam o aborto. É impiedade impor sofrimento a quem já sofre.

Vale lembrar que o cânon 1398 condena com a excomunhão automática quem pratica o aborto e cria as condições para que seja feito. Ora, foi sob FHC e sendo ministro da Saúde, José Serra, que foi introduzido o aborto na legislação, nas duas condições previstas em lei: em caso de estupro ou de risco de morte da mãe. Se alguém é fundamentalista e aplica este cânon, tanto Serra quanto Fernando Henrique estariam excomungados. E Serra nem poderia ter comungado em Aparecida como ostensivamente o fez. Mas pessoalmente não o faria por achar esse cânon excessivamente rigoroso.

Mas Dom José Sobrinho, arcebispo do Recife o fez. Canonista e extremamente conservador, há dois anos atrás, quando se tratou de praticar aborto numa menina de 9 anos, engravidada pelo pai e que de forma nenhuma poderia dar a luz ao feto, por não ter os órgãos todos preparados, apelou para este canon 1398 e excomungou os médicos e todos os que participaram do ato. O Brasil ficou escandalizado por tanta insensibilidade e desumanidade. O Vaticano num artigo do Osservatore Romano criticou a atitude nada pastoral deste Arcebispo.

É bom que mantenhamos o espírito crítico face a esta inoportuna intervenção do Papa na política brasileira. Mas o povo mais consciente tem, neste momento, dificuldade em aceitar a autoridade moral de um Papa que durante anos ocultou o crime de pedofilia entre padres e bispos.

Como cristãos escutaremos a voz do Papa, mas neste caso, em que uma eleição está em jogo, devemos recordar que o Estado brasileiro é laico e pluralista. Tanto o Vaticano e o Governo devem respeitar os termos do tratado que foi firmado recentemente onde se respeitam as autonomias e se enfatiza a não intervenção na política interna do pais, seja na do Vaticano seja na do Brasil.

Um abraço bem fraterno.

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