http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Economia/Desastres-ambientais-viram-um-bom-negocio-para-o-mercado-financeiro/7/30705
“Desastres
ambientais viram um bom negócio para o mercado financeiro”, matéria de Marcelo
Justo publicada ontem no site de Carta Maior, explica como investidores estão
fazendo rios de dinheiro com seguros contra catástrofes naturais.
As
altas taxas de juros cobradas e a baixa ocorrência dos desastres fazem
dos papéis de seguro ambiental uma fonte certa de lucro.
Bônus
catástrofe, derivado climático e hipoteca ambiental são títulos de alta
rentabilidade que circulam no mundo financeiro.
Desde
os anos 90, foram 200 Catastrophe bonds
(CAT) emitidos e apenas três que resultaram em indenizações; nos últimos 10 anos, 40
bilhões de dólares em CAT circularam no mercado, diz a reportagem de Justo, reproduzida
abaixo.
Desastres ambientais viram um bom negócio para o mercado financeiro
Por Marcelo Justo
Os desastres ambientais são um bom negócio. Com o engenho que o caracteriza para a invenção de novos instrumentos de rentabilidade, o mundo financeiro criou um nicho para seguros contra desastres climáticos e naturais, cada vez mais popular entre países afetados por estes fenômenos.
Os bônus CAT (“Catastrophe bonds”) são a principal estrela deste firmamento que também tem outros protagonistas como o derivado climático ou a hipoteca ambiental. Entre 2003 e 2013, foram emitidos cerca de US$ 40 bilhões de bônus CAT, dez vezes mais do que há uma década.
O negócio parece redondo. Os estados se protegem contra catástrofes que
demandariam um investimento acima de suas possibilidades e os investidores
cobram juros altíssimos frente a eventualidades que raramente ocorrem. Segundo
a revista britânica The Economist, dos 200 bônus catástrofe emitidos desde os
anos 90, só três terminaram com uma indenização.
O
acadêmico estadunidense Chris Williams, autor de “Ecologia e Socialismo”,
indicou à Carta Maior três fatores que estão contribuindo para este boom dos
seguros contra desastres naturais.
“Por um lado, a financeirização da economia mundial. Há 30 anos, as finanças
constituíam cerca de 7% da economia. Hoje representam 25%. O capital busca cada
vez mais sua rentabilidade não no setor produtivo, mas sim no
financeiro-especulativo. A catástrofe ambiental lhe dá uma oportunidade
perfeita pela crescente frequência de desastres naturais. Acrescente-se a isso
os problemas orçamentários que muitos países experimentam, e o negócio está
pronto”.
Williams dá o exemplo do bônus CAT emitido pelo serviço de transporte de sua
própria cidade, a Rede de Transporte Público de Nova York (MTA), depois do
furacão Sandy, em 2012. “Estamos vendo uma grande transferência de fundos
públicos para o setor privado porque, quando olhamos a baixa frequência de
pagamentos dos bônus devido às condições de pagamento e às exclusões, nos damos
conta que os investidores terminam ganhando muito dinheiro.
Por outro
lado, há um forte risco financeiro se um furacão como Sandy se repetir e eles
tiverem que pagar indenizações. As seguradoras e resseguradoras têm realmente
os bilhões de dólares que tem que desembolsar num caso destes? É uma pergunta
que ninguém quer fazer porque muitas dessas empresas estão tão endividadas, que
ninguém sabe se teriam o dinheiro”.
Em fevereiro deste ano, o Escritório das Nações Unidas para Redução do
Risco de Desastres (UNISDR) encabeçou uma missão ante o congresso filipino para
promover o Philippine Risk and Insurance Scheme for Municipalities,
depois que o super tufão Haiyan deixou mais de seis mil mortos e um milhão e
meio de habitações destruídas ou danificadas.
“As
Filipinas têm cerca de 20 tufões por ano. O que precisamos é de um esquema
simples que possa fornecer proteção às municipalidades antes da próxima
temporada”, justificou Margareta Wahlström, diretora do UNISDR.
Os danos
materiais do tufão Haiyan rondam a casa dos 13 bilhões de dólares, soma
astronômica para um país com as características das Filipinas. Se o impacto dos
desastres naturais é um golpe para os países ricos, pode ser devastador para
nações em desenvolvimento ou pobres como o Haiti.
O menu de
opções dos estados é reduzido: a assistência internacional, o endividamento e o
aumento de impostos (que exigem tempo), ou os fundos que tenham sido previstos
no orçamento para este propósito.
Estes fundos são previstos para eventos de baixa ou média intensidade, mas não
para grandes tragédias, já que os estados não podem congelar enormes somas que
limitariam outras demandas orçamentárias (educação, saúde, segurança, etc.) em
função de fatos hipotéticos (terremoto, inundação, tsunami, etc.). Daí que, com
frequência, se revelam insuficientes.
Em 1996, o
México criou um fundo para desastres naturais chamado “Fonden” (Fundo de
Desastres Naturais) que fez água em 2010 quando o país teve que enfrentar
desastres naturais em 18 dos 31 estados e em 850 dos 2.500 municípios. Neste
sentido, perguntou Carta Maior a Williams, se os seguros representam uma
solução. Ou seja, ganham dinheiro, mas se expõem e, em caso de tragédia,
oferecem uma saída a estados com recursos que, por definição, são finitos. Ele
respondeu:
“Esse é precisamente o argumento que utilizam. Mas a realidade é que este seguro
termina desviando o investimento que necessitamos fazer para evitar que a
catástrofe ocorra, em primeiro lugar. O seguro instala a ideia de que estamos
protegidos e, portanto, não é preciso gastar em prevenção. Além disso, se
tomamos o exemplo do MTA em Nova York, uma das razões pelas quais ocorreram
tantos cortes orçamentários nos últimos tempos é porque estão pagando dívidas
feitas com o setor privado. De modo que o MTA está pagando esta dívida com
recursos de sua própria receita de bilheteria, o que o limita para fazer as
tarefas de prevenção requeridas”.
Segundo um recente informe publicado pelo New England Journal of Medicine,
o número de desastres naturais triplicou entre 2000 e 2009, em comparação com a
década 1980-89. Nas últimas duas décadas, cerca de 217 milhões de pessoas foram
afetadas a cada ano por desastres naturais. Em outras palavras, questionou a Carta Maior, a tendência é de um aumento deste
tipo de eventos em um contexto econômico internacional complicado. Não é
inevitável que siga este boom dos bônus CAT e de novas variantes deles para
fenômenos ambientais?
“É a tendência. Quando se emitiu o bônus para o MTA houve um excesso de
interessados. Estamos falando de um mercado que nos últimos três ou quatro anos
se converteu em um negócio multimilionário. Este crescimento é intensificado
pelos problemas fiscais. Mas, para além desse quadro, a questão é saber como
vamos lidar com esses fenômenos no médio e no longo prazo. Faltam
soluções sistêmicas. Esta não é uma mera questão tecnológica nem vai ser
solucionada por meio do mercado ou de uma maior consciência individual.
Necessitamos de uma alternativa ao atual sistema de produção e distribuição,
para conseguir uma solução duradoura e sustentável.”
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